terça-feira, 11 de agosto de 2009

Diário de um ano ruim - J.M. Coetzee (parte 2)

Depois da resenha mais tradicional que postei aqui, senti que faltava muito do que eu tinha pensado em escrever sobre o livro.

Primeiramente o que me parece ser uma observação de historiador-leitor: os ensaios de Opiniões Fortes registram um período específico na política internacional, com suas grandes causas e um certo "espírito da época", que foi o governo de George W. Bush. Ainda é cedo para afirmar que o governo Obama vai transformar essa imagem, mas na primeira década do século XXI a imagem dos EUA se cristalizou de forma muito negativa. "Señor C" é um virulento e observador crítico da guerra ao terror, da política dos países anglo-saxões aliados, do mundo de suspeição, competição acirrada, capitalismo industrial e homogeneidade cultural, representado e liderado pelo poder militar e econômico americano, recrudescido após o 11 de Setembro de 2001. Questões muito caras à época (e que continuam sendo) como o terrorismo, a genética, as leis de imigração e as violações aos direitos humanos formam a base para a argumentação do "livro dentro do livro", talvez um retrato, produzido por um intelectual do século XX, dessa turbulenta época.

A aproximação de Hobbes com Os sete samurais (1954) de Akira Kurosawa, como representações da origem do Estado, e o questionamento da naturalização deste, está entre as minhas passagens favoritas do livro, assim como sua proposta de "quietismo anarquista".
O ensaio sobre a utilização do olho eletrônico no esporte, como resultado da entrada do capital no esporte iniciada no turfe, em detrimento do acordo ficcional que legitimava as decisões do árbitro me deu uma nova perspectiva sobre as decisões da FIFA e do International Board sobre as regras de arbitragem do futebol. E da silenciosa e insidiosa capitalização do esporte, muito pouco discutida no nosso caso nacional.

Certas passagens sobre tortura, reparação, segurança nacional e a culpa, me fizeram repensar aspectos relativos as ditaduras civis-militares na América Latina. A evidente conexão com os EUA e sua escola de tortura, bem como um retorno dela nessa década, e a menos evidente com o Apartheid sul-africano, como um sistema altamente burocratizado de proteção de determinados interesses pelo Estado. O momento de confluência com o relato de Anya sobre o esturpro e a "maldição nacional" é uma das passagens mais pungentes do livro.

A questão da música despertar sentimentos historicamente constituidos e nem sempre acessíveis a nós, ou outras sociedades, me instigou bastante. Penso se não seriaa possível pensar algo nesses moldes para a litaratura, o que me parece evidente. Seria possível fazer aí uma história dos sentimentos silenciosamente representados na entrelinhas (seria uma história da leitura, de certa forma). E qual o lugar do próprio livro de Coetzee nessa história contemporânea?

Eu chutaria a solidão, a perda de referências, a fragmentação das relações, o esvaziamento, a irredutibilidade da vida e da morte. Na carta de Anya, onde relação de leitura é invertida, senti muito disso: uma sensação de solidão, representada pela figura de C, desta vez como leitor, sem a palavra, sem sua arma mais poderosa.

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